João Lourenço agradece o apoio internacionalista

Presidente João Lourenço quer a ajuda de Cuba no desenvolvimento económico do país  Fotografia: Mota Ambrósio | Edições Novembro

Presidente João Lourenço quer a ajuda de Cuba no desenvolvimento económico do país
Fotografia: Mota Ambrósio | Edições Novembro

Emoção e reconhecimento foram as notas dominantes do encontro que o Presidente João Lourenço manteve com os combatentes que ajudaram Angola contra as invasões do então exército do “apartheid” da África do Sul, no termo da visita de Estado ao país caribenho, a convite das autoridades locais.

 Na ocasião, João Lourenço convidou uma delegação representativa dos veteranos cubanos a fim de participarem no próximo ano nos festejos da vitória da Batalha do Cuito Cuanavale, que se celebra a 23 de Março.

“O sangue vertido pelos nossos irmãos cubanos em Angola é que tornou possível a grande amizade entre os nossos dois povos e, por isso, entendemos ser o momento de estarmos convosco”, referiu o Presidente ao dirigir-se ao grupo de antigos oficiais de comando do contingente cubano que na fase mais crítica da guerra angolana chegou a um efectivo de 50 mil soldados de diferentes ramos das Forças Armadas.
Numa retrospectiva da epopeia militar cubana durante toda a campanha que se designou “Operação Carlotta”, iniciada oficialmente em No- vembro de 1975 em resposta à invasão do exército sul-africano, João Lourenço destacou que, na altura, era impensável que um povo, de um país de pequenas dimensões, localizado do outro lado do Oceano Atlântico, detentor de poucos recursos, mesmo assim decidisse partilhar com o povo angolano.
Para o Presidente angolano, que se encontrava ladeado pelo ministro das Forças Armadas Revolucionárias de Cuba (FAR), general Leopoldo Cinta Frias, “a diferença entre o internacionalismo e o colonialismo reside no facto de que o segundo chegou às nossas terras sem ser convidados e chegou para tomar as nossas terras, as nossas riquezas e, como se não bastasse, esteve mais de cinco séculos até ser expulso por nós”.
“Já os internacionalistas vieram às nossas terras respondendo ao nosso pedido de ajuda para suster a agressão racista e, no fim da sua missão, não ficaram com nenhuma parcela do nosso território, nem com os nossos diamantes, nem com o nosso café”, destacou, acrescentando que “Cuba não apresentou nenhu-ma factura da sua participação militar ao lado dos seus irmãos angolanos, mas, pelo contrário, deixou no solo pátrio de Angola o sangue dos seus me-lhores filhos”. Por essa razão, referiu, que passem mais 44 anos e, depois, 40 e mais outros 50, “queremos reafirmar que o povo angolano jamais se esquecerá do povo cubano”, sustentou.
Ao abordar a situação vigente actualmente no país, o Presidente João Lourenço frisou que a luta hoje é pelo desenvolvimento económico e social e, para isso, precisa da ajuda de Cuba no domínio da Saúde, Educação, Construção Civil e outros sectores.
“Actualmente, a região Austral de África, que conforma a SADC, representa um espaço de liberdade e de democracia, onde qualquer um dos 16 países membros procura garantir o desenvolvimento dos seus povos”, concluiu João Lourenço.

Enquadramento histórico

Momentos antes do discurso do líder angolano, o ministro cubano das FAR, general Cinta Frias, enquadrou historicamente a amizade entre os dois povos, cujo ponto mais alto aconteceu durante os 16 anos da presença militar cubana, quando os soldados dos dois exércitos nacionais combateram “ombro-a-ombro” para garantirem a soberania e a integridade territorial de Angola.
O governante cubano de-nunciou a campanha de bloqueios e ameaças contra o seu país implementadas a partir dos Estados Unidos sob administração de Donald Trump. Contudo, destacou que, tal como já foi demonstrado no passado, Cuba resistirá e sairá vitoriosa. “Saudamos a vossa presença nas terras de Fidel e estaremos sempre prontos a ajudar o povo irmão de Angola na sua luta pelo desenvolvimento”, reforçou.
O encontro contou com a presença de altos oficiais do exército cubano que estiveram em Angola nas diferentes etapas do conflito militar. Entre os presentes estavam seis generais de brigada e de divisão actualmente na condição de reservistas, bem como oficiais dos restantes escalões, entre os quais o coronel Venâncio Ávila Guerrero, que comandou o 71º Grupo Táctico cubano durante a célebre Batalha do Cuito Cuanavale, no Sudeste de Angola, cujo desfecho, em 23 de Março de 1988, ditou o fim das agressões racistas ao território angolano, a Independência da Namíbia e o desmantelamento do sistema de segregação racial vigente na África do Sul.
“Iniciamos o nosso movimento de Menongue para o Cuito Cuanavale, em Janeiro de 1988, e juntamo-nos à 36ª Brigada das extintas FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola) e no total de três meses realizamos mais de 500 actividades combativas e de asseguramento combativo”, lembrou. Visivelmente emocionado, o oficial cubano agradeceu a oportunidade de falar para o Presidente angolano, por quem disse nutrir “estima e respeito”.

Intervenção dos generais

Foi dada a oportunidade aos generais cubanos de intervirem na cerimónia. Em consequência, os depoimentos prestados emocionaram os presentes que ouviram episódios e acontecimentos verdadeiramente épicos, na própria voz dos oficiais de alto grau que dirigiram as grandes batalhas contra o então exército mais poderoso de África.
O general de brigada Rafael Moracen Limonta revelou que a sua ligação a Angola iniciou em meados dos anos sessenta do século passado, quando o então Presidente Fidel Castro respondeu a um convite do presidente do MPLA, Agostinho Neto, e o enviou como instrutor militar na guerrilha angolana que lutava contra o colonialismo português. Limonta integrou o grupo de “Che Guevara”, que esteve no continente africano a fim de inteirar-se das lutas dos povos africanos contra o colonialismo europeu.
Pelos seus feitos, as autoridades angolanas concederam a Rafael Limonta a na- cionalidade angolana e o grau de general das Forças Armadas Angolanas na condição de reforma. A este propósito, o Presidente João Lourenço disse, em jeito de brincadeira: “O companheiro Limonta é o único militar que eu conheço no mundo que ostenta o grau de general em dois exércitos de países diferentes, deveria ir para os recordes do Guiness Book.”
Posteriormente, fizeram intervenções os generais de divisão Rogélio Acevedo Gonzalez, Rúben Martínez Puentes, Ermio Hernandez Rodrigues e Samuel Rodiles Plana e, finalmente, o general de brigada Enrique Acevedo Gonzalez.
“Por maioria de razão, queremos que uma delegação vossa esteja connosco a 23 de Março do próximo ano, para juntos festejarmos mais um aniversário da Batalha do Cuito Cuanavale, que hoje simboliza uma vitória de toda África contra o regime do apartheid”, anunciou, na ocasião, o Presidente angolano, destacando que as obras para o monumento da batalha estão agora na sua segunda fase.
João Lourenço lembrou que os próprios militares que serviram o exército racista sul-africano que invadiu Angola também estiveram presentes no Cuito Cuanavale, durante as comemorações.
“Eu só soube que eles estavam lá presentes no próprio local, mas a vida tem dessas coisas, quando a guerra termina os antigos inimigos fazem as pazes. Eles (sul-africanos) têm ido lá muitas vezes em caravanas e pretendemos transformar o local, com condições para atrair turistas que querem conhecer a nossa História”, disse o Presidente.
Acompanharam o Chefe de Estado no encontro com os combatentes cubanos o ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, o ministro dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pá-tria, João Ernesto dos Santos, e altos funcionários do gabinete presidencial.

Rafael Limonta, um general de dois exércitos

Nascido numa fazenda agrícola de Santiago de Cuba, em 5 de Fevereiro de 1939, o general cubano Rafael Moracén Limonta ostenta no peito a condecoração mais solene da ilha, a de Herói da República de Cuba, que lhe foi posta no peito pessoalmente pelo finado comandante da revolução Fidel Castro Ruz.

Filho de um camponês e de uma empregada doméstica, teve uma infância difícil, nunca conseguiu estudar e engraxava sapatos para conseguir sobreviver. Posteriormente, teve de seguir os passos do pai e se tornou cortador de cana de açúcar, nos anos do regime de Fulgêncio Baptista.
Vivia as injustiças da guarda rural do ditador cubano contra os camponeses e muito novo juntou-se aos “barbudos”, os guerrilheiros que a partir da montanha “Sierra Maestra” iniciaram a luta contra o regime até conseguirem derrubá-lo, em 1959. A pedido de Agostinho Neto ao líder Cubano Fidel Castro, Rafael Moracén Limonta partiu de Cuba para o Congo, em 1965, a fim de fornecer instrução militar aos guerrilheiros do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) na guerra contra o colonialismo português.
Moracen Limonta participou na luta armada pela Independência de Angola e, posteriormente, na guerra civil, com nacionalidade angolana. Em 2014, foi promovido ao grau militar de tenente-general das Forças Armadas Angolanas pelo ex-Comandante-em-Chefe, José Eduardo dos Santos, depois de ouvido o Conselho de Segurança Nacional, de acordo com a lei angolana, tendo sido autorizada a sua passagem à reforma aos 75 anos “por limite de idade”.
Invocando a prestação de “serviços relevantes ao país”, uma resolução da Assembleia Nacional, que entrou em vigor a 25 de Agosto de 2014, concedeu a nacionalidade angolana ao oficial cubano, que desempenhou igualmente o cargo de adido militar na Embaixada de Cuba, em Luanda. Na impressionante “folha de serviço” do militar cubano, consta que, após a proclamação da Independência Nacional, Moracén foi chamado pelo primeiro Presidente Agostinho Neto para desempenhar o cargo de coordenador da Segurança Presidencial, entre outras funções.
A decisão de conceder-lhe a nacionalidade angolana foi na altura questionada pela oposição, mas resultou de uma proposta apresentada por um grupo de dez deputados do MPLA ao presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, em carta de 22 de Janeiro de 2014, de acordo com o regimento.
A concessão da nacionalidade angolana ao general cubano foi também justificada pelo Parlamento com a “luta pela Independência Nacional” de Angola e os “esforços para a preservação da paz, integridade territorial e soberania nacional”, nos quais esteve sempre envolvido Rafael Moracén Limonta, que ostenta também o grau de licenciado em Ciências Sociais.

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