Êxito do CFB é um sinal para os povos vizinhos

 

Fotografia: Francisco Bernardo

Fotografia: Francisco Bernardo

A conclusão com êxito das obras de reabilitação do Caminho de Ferro de Benguela (CFB), em toda a sua extensão, é um “sinal claro” que os angolanos dão aos povos vizinhos sobre os benefícios da paz e da estabilidade, disse António Monteiro, antigo representante de Portugal na Comissão Conjunta Política e Militar, (CCPM), em  Angola em entrevista ao Jornal de Angola.

Um dos convidados VIP da cerimónia de entrega do CFB, uma das obras emblemáticas do Corredor Transfronteiriço do Lobito, o diplomata português, nascido em Catabola, no Bié, considerou a recuperação total da linha de caminho de ferro o “fim do isolamento” a que muitas populações estavam votadas e um aceno ao desenvolvimento regional. “O CFB não é apenas um trunfo para Angola, mas um passo importante no caminho da integração económica regional e um serviço prestado a países como a RDC e a Zâmbia, que bem precisam deste apoio pelo significado que o caminho de ferro tem no quadro do corredor transfronteiriço do Lobito”, defendeu.
As guerras não têm méritos, nem vantagens, porque apenas impedem o desenvolvimento dos países, declarou António Monteiro, que olha com preocupação a actual situação no leste da RDC. “A situação nesse país é preocupante para Angola, para África e para toda a comunidade internacional, porque a RDC instável é uma ameaça aos países vizinhos e um travão ao desenvolvimento”, declarou.
António Monteiro disse que os congoleses precisam da solidariedade dos países vizinhos e de bons exemplos como o que os angolanos acabam de dar em relação ao CFB. “A RDC vive um momento difícil e por isso devemos todos procurar estar ao lado dos congoleses e ajudá-los a encontrar uma linha viável para o país”, referiu.

Viagem no tempo

Mas a recuperação do CFB, em especial o regresso do comboio ao Luau, teve um significado especial para este diplomata português reformado, que nasceu no Bié e viveu no Moxico até aos 16 anos. António Monteiro cresceu ouvindo o apito do comboio do CFB pautando a dinâmica da cidade do Luena, a antiga Vila Luso.
“Vocês não imaginam o que é poder estar novamente no Moxico, rever os meus primeiros amigos e voltar a viajar de comboio que era praticamente uma rotina para mim nos tempos de estudante e mais tarde de professor”, revela o diplomata de 71 anos, incapaz de esconder a emoção pela viagem de cerca de 12 quilómetros entre a antiga vila Teixeira de Sousa e a recém inaugurada ponte transfronteiriça sobre o rio Luau. António Monteiro tem o seu nome gravado na história do processo de paz em Angola. Como embaixador de Portugal fez parte da antiga Comissão Conjunta Política e Militar (CCPM), órgão responsável pelo acompanhamento da aplicação dos acordos de Bicesse até às primeiras eleições multipartidárias em Angola.
As eleições realizadas em Setembro de 1992 ganhas pelo MPLA eram, para o diplomata português e os demais colegas membros da chamada Troika de Observadores, o “coroar de um processo negocial difícil”, mas também “revelador e apaixonante”. O processo tinha tudo para dar certo, referiu, mas o destino pregou a todos uma grande partida. A UNITA de Jonas Savimbi rejeitou os resultados e retomou a guerra pior do que era no passado, convencida de que tomava o poder pela força das armas. António Monteiro teve o que até hoje considera a “maior desilusão” da sua vida. “Depois de umas eleições livres, depois de todo o esforço, todo o caminho que trilhámos, depois de os angolanos terem feito o esforço de ultrapassar tudo que era passado para se unirem num país novo, voltar à guerra foi a maior desilusão e a maior frustração que tive”, lamentou.

Tudo pela paz

Depois de servir como diplomata em Angola, António Monteiro trabalhou nas Nações Unidas, em Nova Iorque, e foi representante de Portugal no Conselho de Segurança. “No Conselho de Segurança tive de lidar directamente com a questão de Angola e por duas vezes presidi ao órgão. Nas duas vezes coloquei Angola como tema principal, procurando sempre encontrar formas de ajudar os angolanos a encontrarem o caminho do entendimento e da paz”, referiu.
O diplomata lamentou que a paz tenha demorado tanto para chegar, mas valorizou a lição que a guerra deixou aos angolanos. “Temos que aprender com o que se passou. Mesmo aqueles que não sofreram directamente com a guerra, é preciso que saibam as vantagens da paz. Porque é na paz que encontramos os nossos caminhos e as nossas oportunidades.”

Ponto de viragem

António Monteiro disse que a presença de Angola no Conselho de Segurança das Nações Unidas tem tudo para ser o ponto de viragem no processo de afirmação do país como um parceiro credível da Comunidade Internacional, numa altura em que, devido à vaga de conflitos, o mundo atravessa uma das fases mais difíceis e complexas.
“Tenho grande esperança que a presença de Angola no Conselho de Segurança signifique uma afirmação definitiva como um país de política credível para ajudar a Comunidade Internacional a resolver os conflitos que infelizmente se tornam mais agudos em várias partes do mundo”, declarou.
O diplomata português lançou também um olhar sobre o desempenho da presidência angolana na Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos: “O papel de Angola é visto por todos como extremamente positivo, eu diria mesmo fulcral. Uma potência regional e um país com a responsabilidade de contribuição efectiva na solução dos conflitos no mundo actual que são uma ameaça para todos”.

 

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